O Prêmio Grammy Latino é uma premiação realizada desde 2000 pela Academia Latina da Gravação, que celebra a excelência de obras musicais gravadas, principalmente, em português e espanhol. A edição de 2023 será a primeira realizada fora dos Estados Unidos. Desta vez, a cerimônia acontecerá em Sevilha, na Espanha e homenageará os melhores trabalhos lançados de 1 de junho de 2022 a 31 de maio de 2023.
O Grammy Latino é um prêmio visto com bastante relevância pela comunidade artística brasileira, não só por coroar o trabalho de toda a equipe envolvida, mas por dar visibilidade e promover internacionalmente as obras indicadas e premiadas.
Na lista de indicados, um nome despertou atenção e a torcida dos mineiros. O disco “Não Me Espere na Estação”, de Lô Borges, concorre na categoria Língua Portuguesa como Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa. Concorrem ao mesmo prêmio o Planet Hemp, Rachel Reis, Tulipa Ruiz e Titãs, com suas respectivas obras lançadas no mesmo período.
Na ocasião da indicação, Lô se manifestou nas redes sociais: Muito feliz com a indicação de "Não Me Espere Na Estação" como "Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa" no Grammy Latino 2023. Quero muito agradecer ao meu parceiro-letrista Cesar Maurício, aos músicos e produtores participantes e também à gravadora Deckdisc. E parabéns aos demais indicados da categoria (...). Tamo juntos!
O disco Não Me Espere na Estação, que saiu apenas nas plataformas digitais, foi composto e gravado em Belo Horizonte e conta com letras de Cesar Maurício (Radar Tantã e Virna Lisi) e gravação de Thiago Corrêa (Diesel, Udora e Transmissor) e Henrique Matheus (Virna Lisi e Transmissor) no estúdio Frango no Bafo.
Conversamos com Cesar Maurício e Thiago Corrêa, que participaram diretamente da empreitada. Empolgados com a indicação, eles nos contam detalhes de mais um disco que compõe uma fase superprodutiva do eterno roqueiro integrante do Clube da Esquina, que lança um disco por ano desde 2019. Confira!
Introdução por Alexandre Biciati
Entrevista por Rodrigo James
CESAR MAURICIO, letrista
PHONO: Parabéns pela indicação ao Grammy. Qual a importância de um Grammy nos dias de hoje, para você?
Agradeço seu carinho. Respondendo à sua pergunta, logo que eu tive notícia que o disco do Lô estava concorrendo ao Grammy, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a minha trajetória até agora... eu lembrei de coisas, como no início do Virna lisi, no início mesmo!
A fita cassete que a gente gravou quatro músicas, eu fiz a capa na época em Xilogravura e fomos lá para São Paulo entregar a fitinha na Folha de São Paulo, no Estadão e na revista Bizz. Era assim que se fazia, e fizemos essa função, né? Não existia internet na época. Isso é o que me veio à cabeça.
Ocorreu também o bairro Jardim América, meu quarto, meu violão Giannini, onde eu tentava tirar “Nuvem Cigana” do Lô. Sempre quis fazer música, escrever letras e tudo mais. Sempre pensei que um dia isso iria acontecer e fui e fiz.
A importância para mim é essa, é como se fosse mais um passo, uma sequencia dessa caminhada, que é longa, né? Que é muito longa. Fazendo quase 40 anos de sonhos, digamos. Compor com o Lô já era uma realização pra minha história.
Então, para mim, essa indicação do Grammy já foi um ganho, um feito enorme.
Quando Lô me ligou, em um dia de 2021, me convidando para escrever as letras para algumas canções que ele estava compondo na guitarra e [dizendo] que achava que eu iria me divertir... daí pensei: Velho, nossa!!! É fazer valer esse momento, esse reconhecimento do meu trabalho.
“Pode escrever o que quiser”, Lô disse, e me mandou 4 músicas. Escrevi as letras e mandei de volta, nos falamos pelo telefone e algumas videoconferências para acertar as pontas das letras.
Dai um dia Lô me liga e diz: “compus mais 5 músicas e toma aí e escreva as letras no seu tempo e temas”. Um sonho! Vamos fazer um disco! Eu disse: “Bora ganhar o Grammy”! Assim ficou uma brincadeira entre nós!
PHONO: Você tem sido um parceiro frequente do Lô já há um bom tempo. Como se dá essa parceria?
Bem as coisas começaram, digamos, em 2003, se eu não me engano... e a primeira parceria da gente foi “Tudo em Cores Para Você”, que ele gravou no disco Um Dia e Meio. O interessante foi que ele me convidou, fui até o apartamento dele, e ele me contou um monte de coisas. Da forma dele compor e que curtia ser rápido, que brotasse quase que num instante. Isso foi foda!
Assim Lô pegou o violão, tocou a música uma vez, duas, e eu comecei a escrever e mostrar para ele, escrevia e ele cantava e assim foram algumas. Era bem diferente de como eu fazia e compunha nas bandas. Eu chegava com as letras e daí a gente trabalhava as músicas. Bom também! As formas são infinitas.
Daí, ao longo destes anos, já são vinte anos de parceria. Fizemos músicas de várias outras formas. Trabalhamos muito tempo na música “Qualquer Lugar”. Quando pedi a ele que pudesse trabalhar mais a letra em outro dia e culminou de finalizarmos ela em um sábado à tarde, na casa dos pais dele em Santa Teresa com o Lô ao piano! Simplesmente foda e mágico!
Lô Borges facilita muito a vida dos letristas!
Este disco do Lô reúne três gerações: a dos meninos - Thiago [Corrêa] e Henrique [Matheus] - a minha geração e a geração do Lô Borges.
PHONO: E como foi o processo de composição das canções de Não Me Espere na Estação?
Um dia o dia Lô me ligou, tinha até um tempo que a gente não se falava sobre música. Ele disse que estava compondo umas canções, todas na guitarra e com a pegada mais rock and roll, e que tinha pensado em mim e se eu não topava fazer as letras.
Fiquei como sempre feliz com o convite. É uma alegria para mim escrever letras para as canções do Lô. Eu sempre fui muito fã do Lô Borges e suas músicas e todos os discos que ele lançou na carreira sempre fizeram parte da minha discoteca.
Quando na adolescência me imaginei escrevendo letras e compondo músicas, a referência sempre foi a dos poetas do Clube da Esquina e as canções do Lô Borges, basicamente.
Daí chegaram para mim quatro músicas já gravadas no estúdio, ele me disse que eu poderia compor as letras no meu tempo, que ele não tinha previsão de lançar o disco. Só compor mesmo, com tranquilidade. Escrevi as letras e ele me mandou mais algumas, quando ainda não tinha terminado as outras.
Quando vi tinha nas minhas mãos nove canções para escrever as letras. Apropriei do tempo estendido e fui escrevendo as letras mandando pra ele, que gravava no estúdio Frango no Bafo. A ordem eu que escolhia, tive essa liberdade. Lô me disse: não tem ordem, fique à vontade, escreva da forma que quiser.
Ficamos acho que um ano, durante a pandemia, trabalhando e nos falamos muito sobre as músicas e de como todos estavam gostando do resultado. E Lô tava muito feliz com as músicas e o trabalho do Thiago, do Henrique e do Robinson em estúdio. Aos poucos tudo foi surgindo, as letras, os títulos e até imagens! Foi um processo muito bom e tranquilo de composição.
PHONO: Que pessoas você destacaria como fundamentais no processo deste disco, além do Lô, claro.
Eu diria com certeza o Thiago Corrêa e o Henrique Mateus, como produtores. Eu não sei ao certo como eles trabalharam, mas eu entendi o processo de criação dentro de estúdio entre eles. Eu tenho certeza que os dois trazem uma plástica contemporânea aos sons, timbres e arranjos, escolhas de muito bom gosto.
Este disco do Lô reúne três gerações: a dos meninos - Tiago e Henrique - a minha geração e a geração do Lô Borges.
Thiago e o Henrique curtiam o Virna e depois o Radar, iam aos shows e essas coisas. O meu disco Não Posso Devolver Sem Danos gravei com o Thiago Corrêa e com o Henrique Mateus. Eles que produziram, gravaram os instrumentos quase todos, arranjaram e rearranjaram as minhas músicas. Foi um laboratório. Isso foi em 2008.
Vejo um grande acontecimento neste disco do Lô Borges, que, para mim, é este encontro destas três gerações de compositores da cidade: o rock, pois, na verdade, todos nós somos roqueiros. Henrique e eu já tocamos juntos no Radar Tantã, a gente fez vários shows juntos com o Radar Tantã e o Lô Borges em uma pequena turnê aqui por Minas Gerais em um projeto que chamou “Encontro de Derações”. Daí o Radar abria os shows.
É muito bacana, muito bom perceber o quanto a música do Lô Borges é contemporânea, ou melhor, atemporal. É bacana demais ver como ele se reinventa constantemente.
PHONO: E podemos esperar algo das suas bandas Radar Tantã ou Virna Lisi em um futuro próximo? Neste momento, estou mais focado em compor um novo trabalho solo que envolva toda as minhas artes: música, vídeo, desenho, pintura e poesia.
Recentemente, terminei meu doutorado em arte contemporânea que trata deste assunto que envolve show disco e exposição.
THIAGO CORRÊA, produtor
PHONO: Qual a importância para você, enquanto músico e produtor desse disco, desta indicação?
Eu acho muito legal ter um trabalho indicado a um prêmio dessa importância, ainda mais pelo contexto especial de ser um trabalho que tem muitas referências minhas envolvidas. Sempre gostei muito do trabalho do Lô e também o do Cesar Maurício, então, nada melhor do que essa indicação junto desses grandes artistas.
Fico feliz por já ter participado da produção (...) nesses últimos 5 discos lançados. (...) isso traz um desafio que é de se reinventar e buscar novas sonoridades.
PHONO: Como foi o processo de gravação dele?
Assim como nos outros discos do Lô que trabalhamos, ele faz o registro de todas as músicas na voz e instrumento, nesse caso a guitarra.
Aí ele passou o direcionamento artístico de como o disco deveria ser, pra que direção apontar. Depois a gente trabalha pra construir a base em cima do que ele gravou. Gravamos a bateria, o baixo e a segunda guitarra. Aí, no caso desse disco, eu gravei teclados e percussão de overdub depois da base pronta.
Só então, depois de tudo gravado, a gente enviou pra ele ouvir o que criamos pra aprovar ou fazer ajustes.
PHONO: Quais outros parceiros foram importantes neste processo?
Esse é um disco feito à poucas mãos. Tem o Henrique Matheus, que além de assinar a produção comigo e com o Lô, é quem assina a segunda guitarra, a gravação e a mixagem. E o Robinson Mattos, que gravou todas as baterias. E por fim, foi Masterizado por Fábio Roberto no Estúdio Tambor lá no Rio.
PHONO: O Lô Borges é um artista extremamente prolífico - lança pelo menos um disco por ano. Isso se refletiu de alguma forma em todo o processo do disco?
Realmente, é bem impressionante a capacidade de criação que o Lô tem mostrado nos últimos anos. E fico feliz por já ter participado da produção de 50 canções trabalhando com ele nesses últimos 5 discos lançados. Com toda certeza, isso traz um desafio que é de se reinventar e buscar novas sonoridades. Então a cada projeto, a gente trabalha com o conceito proposto por ele e se permite ousar mais também.
PHONO: O Frango no Bafo é um estúdio que já tem muitos bons trabalhos no currículo. Destaque alguns discos e/ou artistas que já trabalharam com vocês.
O estúdio já está na sua quarta encarnação, que começou em 2006 no meu próprio apartamento. Foi lá que Gravamos a maioria do primeiro disco do Transmissor, por exemplo. Depois que conseguimos um espaço próprio pro estúdio, passamos a fazer muito mais produções.
Gosto muito dos trabalhos com Iconilli, Lorena Chaves, Transmissor, Graveola, Jennifer Souza, Juventude Bronzeada, Di Souza… com o perigo de estar esquecendo gente muito legal nessa lista!
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