Se você estava no Brasil em 1986 provavelmente ouviu este álbum. O fenômeno RPM ganhava status de mainstream em julho daquele ano e, até hoje, o registro de dois shows gravados no Anhembi, em São Paulo, figura entre os 10 álbuns mais vendidos no Brasil, com 3,7 milhões de cópias vendidas. RPM – Rádio Pirata Ao Vivo é o primeiro, de apenas três discos de rock a figurar nesta lista, que também tem Mamonas Assassinas e Rita Lee.
Com apenas nove músicas, sendo duas covers (“London London”, de Caetano e “Flores Astrais”, do Secos e Molhados), o álbum tocava sem parar nas rádios FM e casas do Brasil afora. Na TV, o registro, que também foi vendido em VHS em 1987, passava em todo programa voltado ao público jovem e em especiais da Rede Globo.
A capa do disco não é lá uma obra de arte, apenas uma fotografia do show, que teve direção de Ney Matogrosso. Mas ninguém se importava com a simplicidade do cenário ou as roupas largas da banda liderada pelo galã Paulo Ricardo. O que realmente importava para jovens (e, no meu caso, uma criança de oito anos) eram as letras, que falavam do cenário político da época, citavam torturas e o período tenebroso do qual o Brasil se livrara há pouco mais de um ano. “Alvorada Voraz” tocando no rádio era a expressão máxima da liberdade de expressão, sem a temida censura que, anos antes, cortava músicas de bandas como a Blitz.
Com um trecho que dizia “Juram que não torturam ninguém, agem assim, pro seu próprio bem. São tão legais, foras da lei e sabem de tudo, o que eu não sei”, a geração Coca-Cola poderia finalmente cantar e falar abertamente sobre a Ditadura Militar sem medo.
A música que dá nome à banda, “Revoluções Por Minuto” é outro marco dessa geração, com uma crítica social ácida. A balada “A Cruz e a Espada” arrancou suspiros e, anos mais tarde, ganhou versão com Renato Russo. Há também uma música instrumental, “Naja”, com os sintetizadores típicos dos anos 80. A dançante “Olhar 43” era hit em todo bailinho que se prezasse. E a convocação de “Rádio Pirata” era lei: “Toquem o meu coração, façam a revolução que está no ar, nas ondas do rádio. No underground repousa o repúdio que deve despertar”.
Paulo Ricardo, formado em jornalismo pela ECA USP, morou um tempo em Londres, de onde escrevia sobre o que rolava de novidade na música européia. Ao voltar pro Brasil retomou a parceria com o tecladista Luiz Schiavon e criou o RPM. Luiz dirigiu a banda do Domingão do Faustão de 2004 a 2010 e foi produtor musical de trilhas para diversas novelas, entre elas O Rei do Gado, disco que vendeu 2 milhões de cópias e também figura entre os mais vendidos da história no Brasil.
O disco de estreia da banda já era um sucesso, com cerca de 600 mil cópias vendidas, mas a parceria com Ney Matogrosso que rendeu o show e o álbum, foi além. Não era comum que gravações ao vivo fizessem tanto sucesso. Imaginar que o grito histérico das moças durante os intervalos de cada música ou mesmo na introdução de cada uma se tornaria um sucesso era arriscado. Mas o disco foi, sim, um marco. O resgate de músicas como “London London”, escrita por Caetano enquanto vivia o exílio e “Flores Astrais”, do segundo disco do Secos e Molhados foi importante. Foi por conta deste disco que descobri o Secos, por exemplo e aprendi que muitos foram obrigados a fugir do Brasil pouco antes de eu nascer.
A banda não suportou o sucesso e terminou três anos depois da turnê. Até tentou voltar à ativa no início dos anos 90 e em 2010, mas sem o grande sucesso anterior.