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Sensacional chega à 10ª edição apostando na diversidade musical

Driblando percalços de última hora, o Sensacional chega a sua décima edição em 2023 se consolidando como um dos melhores festivais do calendário mineiro. De forma gradual, o festival cresceu em números e representatividade e hoje colhe os frutos de uma década de bons serviços prestados à cena musical. Com o desafio de superar a histórica edição do ano passado, que teve como um dos trunfos a escolha do local, a organização conseguiu manter o bom nível curatorial e estrutural.



Realizado novamente no Parque Ecológico da Pampulha, o amplo gramado foi muito bem utilizado pela organização, contando com estratégica distribuição de bares, praça de alimentação, banheiros, instalações artísticas e palcos, criando um ambiente confortável, interativo e com poucas filas. A programação deste ano foi dividida em dois dias. O primeiro deles reuniu Gilberto Gil e família, com destaque para participação de Preta Gil. Já no segundo, a programação foi distribuída em quatro palcos: dois principais (Sensa! e Híbrido), além dos espaços Chacoalha e Masterplano.

Como tem sido habitual em edições passadas, o lineup promoveu o diálogo entre artistas da nova geração, como Yago Oproprio, Marina Sena, Mc Tha e Augusta Barna, que integraram a programação ao lado de ícones da música popular brasileira como Fundo de Quintal, que contou com a nobre participação de Leci Brandão e o projeto Manguefonia, iniciativa que presta homenagem aos 30 do movimento Mangue Beat.

Vale lembrar que, nas vésperas do evento, o Sensacional teve a realização ameaçada em virtude de uma ação do Ministério Público de Minas, mas, felizmente, o embargo foi indeferido. Apesar de não ter impedido que o festival acontecesse, a ação resultou na cautela em relação à poluição sonora que impactou no alcance dos shows e, consequentemente, comprometeu a experiência de quem preferiu assistir as atrações à distância. Conferimos de perto a programação dos palcos principais. Veja os destaques de cada show.

TEXTOS Bruno Lisboa (Abertura, Hermeto Pascoal, Céu, Fundo de Quintal e Leci Brandão) Francesco Napoli

(Manguefonia, Flora Matos, Gloria Groove e Valesca Popozuda, Marina Sena)


EDIÇÃO E FOTOGRAFIA

Alexandre Biciati



Yago Oproprio

O abre-alas do festival ficou a cargo do rapper Yago Oproprio. Sua aguardada apresentação reuniu um bom público pontualíssimo e que sabia de cor boa parte de suas canções. Fruto da nova geração de MCs paulistanos, Yago faz da sua música uma miscelânea de ritmos e sons. Suas composições dialogam tanto com a tradição da música popular brasileira quanto com o uso de beats modernos que remetem a produções contemporâneas.



Para o Sensacional, Yago preparou um set cunhado em seu mais novo trabalho, o EP O Inquilino, mas também trouxe à tona singles anteriores como o mega hit “Imprevisto” que alcançou a assombrosa marca de mais de 70 milhões de plays. O também paulistano Criolo estava escalado para se apresentar junto ao músico, mas não compareceu devido a problemas de saúde. A ausência foi sentida, mas não atrapalhou o clima quente da apresentação.



Hermeto Pascoal

Hermeto é, sem dúvida, um dos artistas mais importantes da música popular brasileira. Dono de uma musicalidade que respira ritmos do mundo, o compositor e sua banda de apoio conseguiram entregar uma performance inigualável. Aos 87 anos, o multi-instrumentista tem tido agenda cheia e vem figurando em boa parte dos grandes festivais pelo Brasil e pelo mundo. Isso é prova de sua relevância e enorme reconhecimento obtido ao longo da carreira.

Hermeto Pascoal atuou como um maestro e conduziu o quarteto de apoio ao êxtase musical, com exímios números instrumentais que soaram como um longa e memorável jam, deixando o público em transe durante toda a apresentação. Faixas como "Bebê", "Papagaio Alegre" e "Forró pela Manhã" foram algumas das faixas selecionadas pelo músico alagoano, numa apresentação que deve ficar na memória graças a sua ousadia técnica e sonora.


Céu

Escudada por sexteto, Céu trouxe ao festival seu Baile Reggae, cujo setlist é composto por canções icônicas do gênero e que ajudaram a moldar sua formação musical. A seleção de faixas foi abrangente indo de encontro a canções como "Silly Games" de (Janet Key), "A Message To You Rudy" (The Specials) e "I'm Still in Love With You" (Sean Paul), contando com a participação surpresa da cantora Sthe Araújo. A única faixa de sua autoria executada no show foi "Cangote" (do álbum Vagarosa) que se encaixa perfeitamente na atmosfera da apresentação.

Na reta final Céu privilegiou o repertório de Bob Marley e gerou momentos de catarse coletiva. Do icônico músico jamaicano a cantora resgatou faixas como "Satisfy My Soul", "Waiting in Vain", "Concrete Jungle", "Stir It Up" e "Could You Be Loved”, que colocou ponto final numa apresentação de gala, mostrando toda versatilidade da cantora paulistana.

Apesar da iluminada apresentação, foi unânime o estranhamento sobre a escolha do figurino, um longo vestido preto, que dialogava com o cenário e a ideia de baile, mas que não ornou com o clima conferido pelo set jamaicano. Outro ponto que chamou atenção foi que, muito frequentemente, a conexão com o público era ceifada quando Céu recorria ao teleprompter para acompanhar as letras do repertório, dando ao show um ar de ensaio aberto.


Fundo de Quintal convida Leci Brandão

Com 47 anos de estrada, o grupo Fundo de Quintal realizou uma das melhores apresentações do festival. Com um repertório de clássicos à disposição, o show foi calçado por hinos que atravessaram gerações. Prova disso foi o fato de que a sequência matadora iniciada por "O show Tem Que Continuar", "Parabéns Pra Você", "Lucidez", "A Batucada dos Nossos Tantãs", "A Amizade" e "Só Felicidade" foram cantados em uníssono pelo jovem público presente.


Na sequência, Leci Brandão foi convidada ao palco e gerou o momento de maior comoção do evento. Visivelmente emocionada, Leci elogiou a equipe do festival e os companheiros do Fundo de Quintal, que moveram esforços para que ela estivesse ali. Comunicativa, a cantautora rememorou histórias vividas na cidade de Belo Horizonte e as apresentações na quadra da Vilarinho (bairro Venda Nova). Mesmo estando debilitada, devido a uma recente angioplastia, Brandão sambou, tocou pandeiro e encantou com a sua presença e o status de lenda que lhe é merecidamente atribuído.

O set junto a Leci foi uma autêntica oportunidade de ver a história da música popular diante dos olhos. O abre alas da parceria foi iniciado por "Isso é Fundo de Quintal", faixa auto celebrativa que presta homenagem ao grupo carioca. Na sequência foi a vez "O Bêbado e o Equilibrista" (de Aldir Blanc e João Bosco) que arrancou lágrimas dos presentes. Canções de seu repertório como "Perdoa", "Eu Só Quero Te Namorar", "Papai Vadiou" e "Zé do Caroço" provam a atemporalidade de suas canções, mostrando que o samba segue mais vivo do que nunca.


Manguefonia

O Movimento Mangue Beat é um daqueles momentos na história da música que têm uma verdade tão intensa e difícil de ser revivida, que pode acabar se perdendo em projetos comemorativos forçados, mas este, definitivamente, não foi o caso. O que se viu no palco do Sensacional foi um grupo de amigos se divertindo com aquela espontaneidade dos primórdios do movimento. Fábio Trumer (Eddie), Fred Zero Quatro (Mundo Livre S/A) e Canibal (Devotos) e Jorge Du Peixe (Nação Zumbi) revezaram nos microfones deste projeto encabeçado pela Nação Zumbi em um show que foi direto no coração da geração-MTV.

Para pessoas desta geração, trata-se de uma experiência no mínimo inusitada: sair do Baile Reggae da Céu e cair no samba do Fundo de Quintal para, logo em seguida, sentir vontade de abrir um mosh cantando junto do Canibal que "o Zé do Pinho é do caralho". Definitivamente, este bem-vindo "ecletismo" sinaliza algo que acomete a produção musical atual.

O que se viu no palco do Sensacional fez tudo soar autêntico, legítimo e verdadeiro com artistas entregando suas verdades a um público que as reconheceu de imediato. Pudemos sentir um pouco daquela verve manguebeat que rompeu barreiras mundo afora e com a mesma coesão política que sempre pautou suas letras. De Fred Zero Quatro substituindo o verso "pensando na próxima eleição” por “celebrando a última eleição" e arrancando gritos de "Lula" da plateia até Canibal defendendo a legalização da maconha.


Flora Matos

Entramos agora na sequência mais "hypada" do festival. Seguindo aquele caleidoscópio anacrônico de ecletismo, saímos da nostalgia das guitarras sujas do manguebeat para o rap contemporâneo de Flora Matos que transita pelo samba, trap, reggae, música gospel americana e afro beats. A rapper fez charme e atrasou sua entrada, deixando o público impaciente, para chegar de cara com “Ser Sua”, uma de suas músicas mais conhecidas.

Aqui temos uma ruptura no festival que demarcou aquilo que se entende por "música atual". Isso ficou claro no semblante do público que aguardou o show da rapper em frente ao palco "Híbrido", após o Manguefonia ter tocado no palco ao lado. Pela primeira vez foi possível discernir estes perfis de público, que foi sim, muito diversificado, mas que também, de alguma forma, se viu unificado, compartilhando os valores que o festival apregoa.


Gloria Groove convida Waleska Popozuda

Enquanto o público delirava com hits como "Vermelho" e "Proibidona" (2023), este último lançado por Gloria Groove com participação de Anitta e de Waleska, era inevitável pensar nos labirínticos caminhos desenham a história da música pop. Se no século passado os artistas se preocupavam essencialmente com o som e apenas os mais bem sucedidos associavam sua música a uma identidade visual, atualmente na música que as novas gerações vêm fazendo, som e imagem, ou áudio e vídeo, são duas faces da mesma moeda.

Isso fez com que os shows de festivais de música incorporassem o ballet como um elemento central das performances reforçando o corpo como presença, identidade e estilo que se reflete também nos timbres, tanto faz se são orgânicos ou eletrônicos, se há músicos tocando ou se há um dj mixando. No show de Gloria Groove os músicos são coadjuvantes e o palco abre espaço para despojadas coreografias, coisa que antes não víamos em festivais.

Há quase dez anos Waleska Popozuda, representando o funk proibidão, lançava "Beijinho no Ombro" (2014) e seria impensável vê-la dividindo um festival com Hermeto Pascoal. Já Gloria Groove, mulher trans que é a cara da nova música pop brasileira, tem plena consciência de que a presença de seu corpo é uma situação política. A re-contextualização do funk proibidão de Waleska dentro do show de Gloria Groove se revelou um empréstimo mútuo de representatividade que intensificou ambas artistas. Ou como gostam de dizer por aí, "muito antes de ser modinha" Waleska já se valia de seu corpo como símbolo de sua música e este gesto é justamente aquilo que a faz soar contemporânea.


Marina Sena

Se a estética do show de Gloria Groove é uma aposta no kitsch que também sabe ser cult, ou no pop que também sabe ser popular, Marina tem porte de diva. Fenômeno da música brasileira, Marina é uma relativamente "velha conhecida" do público belorizontino por suas passagens por bandas como "A Outra Banda da Lua" e "Rosa Neon".

Para quem acompanhou seus shows nesta meteórica ascensão, fica nítido que houve um grande investimento no ballet que, diferentemente das apresentações de seu primeiro trabalho, o álbum "De Primeira" (2021), desta vez está muito bem coreografado. Inclusive, um detalhe salta aos olhos: os bailarinos de Marina tinham o mesmo figurino independentemente da identidade de gênero. Este detalhe demarca, de certa forma, o lugar a partir do qual Marina se coloca como artista e que pode ser considerado uma característica desta novíssima geração que já rompeu com determinados padrões conservadores.

No show, os beats dos samplers estão perfeitamente equilibrados com a execução orgânica, entretanto, os músicos poderiam ter mais protagonismo naqueles números nos quais não há coreografias. Este papel secundário no qual os músicos foram colocados soou discrepante em relação à execução musical que se ouve, que é extraordinária aos ouvidos, mas não tem vez no palco.

CONCLUSÃO De fato, os lineups dos atuais festivais parecem reproduzir aquele modo um tanto anacrônico e não linear por meio do qual o algoritmo nos apresenta os artistas nos serviços de streaming. Este bem-vindo "ecletismo" sinaliza algo que acomete a produção musical atual: a velocidade e a pletora de novos artistas dificulta uma renovação de público por parte de artistas de gerações imediatamente anteriores. Nesse sentido, a programação diversa presta um serviço ao embaralhar as expectativas, proporcionando experiências inusitadas.

É nítido perceber que, ao contrário de uma geração artística que se posicionava de forma literal e evidente, a nova geração não precisa explicitar engajamento para ser contundente. Basta suas atitudes, posturas e corpos para se imporem em termos identitários e/ou ideológicos. E o corpo passou a ser o centro da nova música, seja na onipresença da voz que sustenta a verborragia do rap, seja no ballet que se tornou elemento chave das performances contemporâneas.

E até mesmo a preocupação com o som dos artistas de vinte e poucos anos de hoje é diferente dos artistas daqueles época. Como já disse Paulinho da Viola, a rapaziada já não distingue o cavaco, o pandeiro ou o tamborim de um sampler ou de um synth. Não há mais argumento para ser aceito e o samba foi mais que alterado! Pois a nova geração faz música diretamente no software de gravação, compondo ao mesmo tempo em que faz produção musical.

Diversidade é o adjetivo. A edição 2023 do Sensacional refletiu o momento da atual música brasileira em todas as suas facetas. Fica claro que, sim, existe uma evolução na forma de produzir, consumir, significar e apresentar música ao vivo nos dias atuais que se difere dos tempos de outrora, mas, isso não significa que não haja espaço e, principalmente, demanda para músicas de todas as épocas e estilos. Desenhar tal dinâmica num festival que se propõe abrangente e representativo é, por si, desafiador e o Sensacional acertou na mosca.

AVALIAÇÃO FINAL


Sem atrasos, o festival cumpriu à risca a programação com bons shows intercalados sem pausa, tendo que ignorar, inclusive, pedidos efusivos de bis ao final de algumas atrações. Com uma digna infraestrutura que serviu um público de cerca de 25 mil sem grandes problemas e implementações que soaram bem intencionadas, como um embrionário espaço kids, o evento prova que suas propostas são equacionadas pelas demandas do público e evoluem a cada edição. O único ponto negativo foi a desinformação da equipe que cuidava dos acessos que, nitidamente, sofria de má orientação.




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