Fotos: AColetânea
Fruto da efervescente cena cultural mineira, o multiartista Sidarta Riani lançou em abril de 2024 o disco Canções de Sobrevivência em Tempos Apocalípticos.
Fruto de um longo processo de composição, o álbum vem sendo gestado desde 2015, mas foi ganhado corpo durante o período pandêmico.
Inspirado em obras literárias como Ideias Pra Adiar o Fim do Mundo (de Aílton Krenak) e nos haikais de Alice Ruiz e Paulo Leminski, conceitualmente as composições refletem sobre as agruras da existência na contemporaneidade e a busca por novos horizontes.
Composto por nove faixas, o repertório vai de encontro a sonoridades diversas, conciliando desde batidas eletrônicas a melodias orgânicas. O resultado dessa equação é uma agradável junção entre o passado e o futuro, inspirada por artistas nacionais e internacionais como Juçara Marçal, Bobby McFerrin, Gilberto Gil, Radiohead, Adriana Calcanhoto, Lirinha, Milton Nascimento, Pink Floyd, Sérgio Pererê, Steve Reich, Beirut, Beto Guedes, Luiza Brina, Rubel, Graveola e Tim Bernardes.
Produzido por Pedro Fonseca e mixado/ masterizado por Jongui, o novo álbum conta com participações músicos experientes da cena independente mineira como Yuri Vellasco, Pedro de Filippis, Antônio Beirão, Dudu Amendoeira e Lica del Picchia.
Em entrevista concedida por email, Sidarta fala sobre suas raízes musicais, o processo de composição e gravação do novo disco, a necessidade da arte ser especular ao seu próprio tempo, suas referências, a parceira com Pedro Fonseca, participações especiais, planos futuros e muito mais. Confira!
PHONO: Sidarta, primeiramente, gostaria de saber sobre as suas raízes musicais e como elas o guiaram para você ser o artista que é hoje?
Nasci em duas famílias musicais. Do lado de minha mãe, ela tocava flauta transversal quando era criança e escutava muita música, sempre que íamos visitar nossa família no interior escutávamos discos na estrada, alguns me marcaram profundamente: Infinito Particular (Marisa Monte), uma coletânea de músicas de Clementina de Jesus, Mart'nália ao vivo em Berlim, tinha um do Chico Buarque, entre outros. Já do lado do meu pai, o povo lá de casa tudo toca ou canta, almoço de família ou algum aniversário sempre foi motivo pra gente juntar e fazer som junto. Cresci vendo meu pai fazer música de presente pra mim, pra minha vó, pro pé de Manacá lá do quintal. Então eu vi essa possibilidade de fazer música de presente como algo muito espontâneo e natural. Além disso, lá em casa temos a cultura de abrir vozes, como por exemplo, MPB4 fazia, ou as aberturas de vozes que havia nos samba-canções, na bossa nova. Hoje a voz pra mim é meu principal instrumento e com certeza é influência das minhas raízes de casa, a paixão pelas culturas brasileiras também e a vontade de cantar sobre como o mundo me atravessa o peito.
PHONO: Seu disco novo disco, Canções de Sobrevivência em Tempos Apocalípticos, vem sendo gestado desde 2015, mas veio masceu em 2024. Nesse sentido como foi o processo de criação e gravação do álbum?
A semente da ideia de criar o álbum surgiu no primeiro dia da pandemia quando eu escrevi um Epitáfio, uma espécie de canção-testamento no início de 2020. A partir daí criei mais algumas canções em meio a pandemia que intuitivamente agrupei num destaque no Instagram com o título de “Canções de Sobrevivência em Tempos Apocalípticos”. Minha ideia desde o início era criar um álbum visual que representasse uma travessia por esse caos e que culminasse num renascimento, numa espécie de amanhecer. O álbum nasceu dessa necessidade de desaguar, mas também de tentar de alguma forma me fazer ter esperança e que no encontro com quem ouvisse, talvez poderíamos esperançar juntos. A partir da criação das músicas epidêmicas e da escolha de 3 músicas pré-pandêmicas do meu acervo, começamos a criar esses pequenos 9 mundos individuais, que viriam a ter uma persona, uma arquétipo, uma espécie de nota de sobrevivência, e que juntas representariam essa travessia minha, mas que foi uma travessia coletiva.
PHONO: Como o título entrega, o disco tem como premissa refletir sobre o caos da contemporaneidade. Necessariamente, a arte precisa ser especular ao seu tempo? E ainda: quais as intenções você alimentou ao abordar essa temática?
Eu não acredito que é possível criar descolado do meio em que se vive, das pessoas que te cercam, do contexto que se está inserido. Somos seres políticos e não há como desgrudar da coletividade, estamos integrados e conectados nessa teia complexa dentro dessa célula viva que orbita em torno do sol. Eu apostei imageticamente e corporalmente nos clipes no surrealismo, utilizando do mascaramento, da performance, da palhaçaria, na intenção de provocar a possibilidade da invenção, da fantasia, do sonho. Já nas canções, eu li o “Ideias pra Adiar o Fim do Mundo” (livro de Aílton Krenak) durante a pandemia e foi uma leitura que mexeu muito comigo, eu coloquei uma intenção poética que numa mesma canção misturava denúncia, grito, com um “e agora gente? Vamos fazer algo? O que?”, esse convite pra pensarmos nos sonhos, em outros micro-mundos possíveis, talvez macro-mundos também, por que não?
PHONO: Musicalmente, o disco promove encontro entre melodias orgânicas e eletrônicas, cujo resultado é uma ponte área entre a tradição e a modernidade. Quais foram as referências sonoras que nortearam suas composições?
Nas composições misturas de Juçara Marçal, Belchior, Adriana Calcanhotto, Luiza Brina, Gil, Tim Bernardes, Novos Baianos e toda a trupe de artistas contemporâneos que eu convivo que sempre me inspiram, como a Lica del Picchia, Felipe Jawa e outros. Já no universo da produção musical a gente coletou referências pros arranjos desde RadioHead, Caetano, Beto Guedes, PinkFloyd, BobMcFerrin, Maria Beraldo etc.
PHONO: Canções de Sobrevivência em Tempos Apocalípticos tem produção de Pedro Fonseca, músico que tem trabalhado ao lado de artistas de responsa do cenário mineiro como Coral e Marcelo Veronez. Como se deu a aproximação de vocês e como foi o processo de trabalho conjunto?
Pedro havia ido num show meu em 2019 e feito o convite pra trabalharmos juntos. No meio da pandemia a gente escolheu uma das nove canções do álbum pra ser a canção piloto do projeto. Escolhemos “Essa Coisa Boa” e ela foi nossa guia pra pensar nos arranjos, na instrumentação e nas texturas do álbum. Pedro foi um super parceiro, esse álbum é tanto meu quanto dele, sem dúvida nenhuma. Uma figura muito interessante na hora de criar e ele topou minha viagem que era cuidar de cada canção como uma pequena trilha sonora, um pequeno mundo individual. Tanto é que optamos por cada canção ter uma instrumentação específica. Foram aí 3 anos de muitos e muitos encontros, experimentando, fazendo, refazendo, achando os barulhinhos essenciais pra cada uma das canções.
PHONO: O álbum também é marcado por diversas participações especiais de músicos como Yuri Vellasco, Pedro de Filippis, Antônio Beirão, Dudu Amendoeira e a Lica del Picchia, com quem você faz um feat. em "Bem que Passou". Como foi a seleção desse time e quais as contribuições eles trouxeram ao resultado final?
A princípio pensamos no Antônio Beirão pela versatilidade em tocar baixo acústico, elétrico, fretless, e também por sua pesquisa com a improvisação e canto Dhrupad. E o Pedro de Filippis por seu trabalho com Iconilli e sua pesquisa de instrumentos transatlânticos e improvisação. Nós fizemos uma primeira imersão na Serra do Cipó, eu, Pedro e os 2, e lá levantamos as bases das músicas, escolhemos o BPM, e fizemos um mapa rítmico e de intenção das músicas. Na pós produção a gente sabia qual instrumentação, qual timbre queríamos pra rechear essas bases, a partir daí viemos convidando outros músicos que acreditávamos que tinham uma linguagem de expressão próximo daquele universo de cada canção. O convite pra Lica foi algo especial tanto pra mim quanto pra ela, no dia em que filmamos o clipe choramos um bocado. “Bem Que Passou” é a canção que fala especificamente do isolamento social, e eu e Lica somos amigos de anos já, parceiro de criações e invencionices, e nós fomos companheiros de isolamento social, atravessamos essa barra juntos, então era muito importante que ela estivesse presente nesse trabalho, minha irmã de poesia!
PHONO: Para além de sua carreira solo, artisticamente você estabeleceu conexões com diversas manifestações culturais locais. De que maneira esse caráter múltiplo contribuiu para o seu fazer artístico?
Eu amo a música, ela é minha bússola. Mas eu também amo cinema, amo teatro. Acho que meu contato com a performance, com a palhaçaria, a poesia, o carnaval, alimenta minha presença no mundo, essa chama de cultivar uma escuta atenta do mundo, das pessoas, das histórias que de repente tropeçam na gente no meio do caos da correria. Nesse álbum sinto que consegui expressar com um corpo que dança, com olhos que falam, na possibilidade da atuação, e também no desejo de interpretar minhas próprias canções sentindo o gosto das palavras.
PHONO: Com o disco novo lançado quais são planos futuros?
Agora é rodar com este trabalho, estou iniciando no final de Maio o primeiro de um ciclo de shows do álbum, pretendo também fazer uma pequena turnê pelo interior de Minas, junto de RJ e SP. Quero fazer uma audição do álbum e clipes num pequeno cinema talvez, pois é uma experiência interessante assistir junto de outras pessoas do início ao fim. Estou circulando também com um espetáculo musical infantil que chama “Caracol” e ainda em 2024 quero lançar músicas novas em formato de single voz e violão.
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